APLICAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DOS 5 PONTOS DA NOVA ARQUITETURA DE LE CORBUSIER
- Leonel Tomás
- 21 de ago. de 2016
- 10 min de leitura
1. Planta Livre
A ideia de planta livre é um dos pontos definidos por Le Corbusier mais utilizado na arquitetura contemporânea. A planta livre tem como principal função garantir a flexibilidade dos espaços, permitindo aos usuários configurá-lo da maneira que melhor for conveniente. Le Corbusier originalmente afirmava que deveria haver uma separação entre os elementos estruturais e os de vedação / divisão – como paredes e fachadas – para que a planta fosse livre. Existem outros fatores que podem contribuir, como retirar completamente a estrutura do espaço.
Entretanto, não se pode retirar a estrutura e esperar que o edifício fique em pé, por isso jogá-la junto à fachada ou aos núcleos hidráulicos ou de circulação vertical – normalmente fixos em um ponto na planta – pode ser uma boa ideia. O Centro Georges Pompidou, de Rogers e Piano, trabalha muito bem com esta ideia: não somente todas as instalações hidráulicas e de circulação estão expostas nas fachadas, como também toda estrutura vertical existente no prédio. Isso cria pavimentos de planta 100% livres, cujo vão é vencido por treliças metálicas e os espaços podem ser arranjados da melhor maneira para as exposições que ali ocorrem.

Foto: Yann Caradec.
Uma outra estratégia que pode ser utilizada para deixar a planta livre e sem a presença de nenhuma estrutura vertical em seu interior é a utilização coberturas feitas em sistemas estruturais e materiais capazes de vencer grandes vãos. Assim, pode-se concentrar os suportes em pontos bem distantes entre si, gerando um amplo espaço interno livre capaz de ser configurado da forma como se bem entender.
O aço é um material reconhecido por ter muita resistência e necessitar de pouca altura de viga para vencer grandes distâncias – normalmente tem metade da altura de uma de concreto armado. Ainda assim, caso o pé-direito seja baixo é possível inverter a viga, de maneira com que ela fique invisível para quem está dentro do edifício. Isso evita que a estrutura consuma valiosos centímetros do pé-direito e dá uma maior flexibilidade espacial para o ambiente.
Foi essa a estratégia utilizada pelo mestre Mies Van der Rohe no projeto do Crown Hall, prédio que abriga a faculdade de arquitetura do IIT, em Chicago, EUA. É possível ver externamente as vigas invertidas metálicas pretas se sobressaindo na cobertura do edifício, que passaram a fazer parte da composição formal do volume como um todo.

Foto: Crispita.
A planta livre conceituada por Le Corbusier passou a ser questionada ao longo do século XX por críticos que argumentavam que, embora dessa bastante flexibilidade ao interior dos edifícios, os tornava todos iguais e sem identidade, capazes de serem reproduzidos em qualquer lugar do mundo sem que houvesse comprometimento com o contexto.
Rem Koolhaas, fundador do escritório holandês OMA, foi um dos primeiros arquitetos a fornecer uma alternativa para estas críticas: ao invés de se ter grandes volumes contendo espaços de planta livre em seu interior, Koolhaas propôs a compartimentação em volumes – e espaços de planta livre – menores e mais específicos. Em outras palavras, ele restringiu a flexibilidade característica da planta livre modernista em detrimento da geração de volumes e edifícios mais contextualizados e coesos entre si.
A proposta de seu escritório para o Museu de Belas Artes do Québec exemplifica bem essa nova aplicação da planta livre proposta por Koolhaas: ao invés de um grande volume de planta livre onde as funções não são necessariamente relacionadas entre si, o arquiteto propõe volumes menores e mais adequado à escala da cidade, contendo plantas livres dimensionadas para grupos de uso específicos e diretamente dependentes entre si.

Foto: OMA.
2. Fachada Livre
A fachada livre é uma consequência natural da planta livre: uma vez que não há relação entre as vedações / divisórias com a estrutura, pode-se dispô-las da maneira que se bem entender. Por mais natural que isso possa parecer na arquitetura contemporânea, até antes do modernismo era praticamente uma regra a associação entre estrutura e fachada, o que restringia bastante o tamanho das aberturas e flexibilidade compositiva.
Nos dias de hoje a ideia de fachada livre foi levada a novos patamares. Não somente pode-se fazer composições com aberturas ou planos de um determinado material de infinitas maneiras, como também é possível fazer composições volumétricas e tridimensionais sem que a estrutura represente um fator limitante.
O edifício da imagem, projetado pelo escritório dinamarquês BIG, exemplifica bem isso. A estrutura não somente se encontra independente da fachada, como também se adapta ao formato do volume do prédio como um todo permitindo esta independência. Tantas possibilidades formais e compositivas são capazes de gerar resultados bastante interessantes e dinâmicos.

Foto: BIG Architects.
Seguindo a mesma lógica do projeto anterior do BIG, esse projeto para um edifício de grande altura, projetado pelo escritório holandês MVRDV, exemplifica bem como a independência da estrutura com a fachada, bem como emprego de novos tecnologias estruturais, permite a execução de volumes e composições nunca antes imaginados.
Com a finalidade de criar terraços em pavimentos elevados do solo e de diminuir as possíveis sombras projetadas pelo edifício no entorno, os arquitetos torceram e estreitaram o volume racional do edifício em alguns pavimentos. A estrutura proposta seguiu a alteração formal, mas ainda seguiu independente da fachada, permitindo aos arquitetos trabalharem o acabamento dela da forma com que acharam melhor.

Foto: MVRDV Architects.
O último exemplo de aplicação contemporânea da fachada livre é este projeto da dupla Herzog e de Meuron para um arranha-céu em Nova Iorque. A fachada livre aqui permitiu que cada unidade proposta para este edifício residencial possuísse uma conformação livre e independente, aproveitando melhor a insolação e criando terraços individuais.
Em um contexto mais amplo, a liberdade na fachada também gerou um edifício com uma aparência inusitada, e até certo ponto caótica. Esse caos é amenizado pela elegância e precisão dos volumes definidos pelas lajes ortogonais e pelos planos de vidro. Note como parece que cada volume poderia ser modificado de maneira livre, sem que houvesse prejuízo à estrutura do edifício: isso pode ser considerado o estado da arte da aplicação do conceito de Corbu para fachada livre.

Imagem: Herzog e de Meuron Architects.
3. Pilotis
Os pilotis foram inicialmente idealizados por Le Corbusier com a intenção de “devolver” o nível térreo dos projetos ao espaço público. A ideia era evitar que os edifícios representassem barreiras físicas e visuais às pessoas, permitindo que elas circulassem livremente em todos os sentidos possíveis.
Uma das principais críticas que os pilotis receberam, entretanto, está relacionada ao conforto de seus usuários: verdadeiros corredores de vento costumam ser criados junto aos eles, prejudicando bastante a experiência de uso em locais frios, como a maior parte da Europa e da América do Norte.
Uma solução bem contemporânea para tal problema foi reduzir as áreas de pilotis aos cantos dos edifícios. Assim menos área coberta ficaria exposta ao vento, menos calor seria perdido pelo prédio pela laje imediatamente acima, um caminho mais curto seria oferecido aos pedestres, bem como uma sensação maior de segurança – já que os usuários tem uma visão direta do que os espera na outra face do prédio.
A Villa Vpro, do escritório MVRDV, demonstra bem a aplicação dos pilotis junto aos cantos e como isso pode afetar positivamente a aparência do mesmo.

Foto: MVRDV Architects.
Outra adaptação que os pilotis sofreram ao longo da evolução do pensamento arquitetônica do último século foi a sua utilização para proteção solar dos edifícios, principalmente em locais de clima quente e com muitos dias ensolarados.
Isso pode ser observado na imagem do Palácio do Itamaraty, de Niemeyer. Construído em Brasília, cidade muito seca e quente, as colunas praticamente deixaram de ser pilotis para retornarem a ser simplesmente colunas! Segundo a ideia original de Le Corbusier, somente poderíamos falar que esse prédio ainda possui pilotis pelo fato de que o afastamento entre as linhas de colunas do perímetro da fachada dele em relação a fachada de vidro permite a permeabilidade visual.
Entretanto, a subversão dos pilotis aqui é totalmente justificada: eles estruturam a cobertura do edifício, criando uma espécie de casca protetora solar da delicada caixa de vidro que abriga as funções burocráticas do Itamaraty. Além disso, a experimentação plástica com sua aparência faz com que toda a obra ganhe uma beleza / leveza em função da existência dos pilotis / colunas.

Foto: Ana de Oliveira.
Outra forma bem contemporânea de utilizar os pilotis é criar áreas de chegada, acolhimento e entrada cobertas para os usuários do edifício. Deve-se imaginar estas áreas como sendo um espaço de transição entre o público e o particular. Além de ajudar a direcionar o fluxo de usuários, é possível que sejam instalados ali atrativos para que as pessoas o utilizem, ajudando a dar vida e dinamismo ao espaço.
Lembre-se que sempre que houver pessoas na frente de um lugar, aquele lugar tenderá a ser mais seguro que seu homônimo sem a presença delas. Isso se deve ao fato de que as pessoas são testemunhas que forçam pessoas mal intencionadas a pensarem duas vezes antes de tentar cometer algum tipo de delinquência.
O projeto da imagem, proposta de um concurso para a nova escola de Belas Artes de Nantes, na França, exemplifica bem os parágrafos acima: os pilotis marcam a fachada principal – e entrada do prédio – ao mesmo tempo em que estão voltados para uma praça e fornecem uma escadaria / arquibancada coberta para que as pessoas possam sentar, conversar ou simplesmente admirar o movimento.

Imagem: JDS Architects.
4. Terraço Jardim
O terraço jardim idealizado por Le Corbusier tinha como objetivo substituir os tradicionais telhados por uma área acessível e utilizável aos usuários. Em vez de telhas dispostas em planos inclinados, o arquiteto imaginava terraços verdes, com grama, plantas, bancos, áreas de contemplação, encontro, lazer e o que mais fosse interessante.
Embora tenha alguns problemas de ordem técnica e de usabilidade, o terraço jardim é um princípio cuja aplicação pouco variou desde o modernismo até a arquitetura contemporânea. O que variou foi a evolução técnica das lajes e sistemas verdes para tais soluções, mais econômicos e de menor manutenção, bem como os formatos em que esses terraços jardins passaram a ser projetados.
No projeto do edifício da bolsa de valores de Shenzen, na China, o escritório Holandês OMA adotou uma solução bem parecida com a de Corbu para a Villa Savoye – evidentemente em uma escala e contexto muito maiores. Pode-se ver que o terraço jardim do edifício acaba sendo muito pertinente e oportuno, uma vez que o prédio se encontra em uma região muito urbanizada e com poucas áreas de estar protegidas e adequadas à escala do pedestre.

Foto: OMA Architects.
Os terraços jardim podem ser incorporados em edifícios e equipamentos em que a estrutura existente possui poucos atrativos ou é subutilizada. Prédios residenciais comuns, por exemplo – em que o terraço nada mais é que uma grande laje exposta ao tempo e inacessível aos moradores – teriam a capacidade de ter um terraço jardim implantado, gerando um espaço qualificado e de uso nobre para as pessoas.
O mesmo é válido para estruturas e equipamentos públicos subutilizados ou abandonados. Viadutos antigos, pontes que não recebem mais tráfego de veículos, e até mesmo antigas linhas de metro aéro podem ser revitalizadas com a implantação de terraços jardim, transformando-se em novos espaços públicos interessantes à população.
O High Line, em Nova Iorque, é um bom exemplo disso: trata-se de uma antiga linha de metro que cortava algumas quadras da metrópole americana e encontrava-se desativada. Ao invés de simplesmente demolir toda a estrutura, teve-se a ideia de construir um parque linear sobre ela. O resultado é um parque único cheio de áreas verdes, capaz de propiciar a seus usuários experiências nunca antes vivenciadas neste tipo de equipamento.

Foto: David Shankbone.
Na arquitetura contemporânea existe uma corrente de arquitetos que buscam transportar situações corriqueiras encontradas nas nossas cidades e edifícios para novos contextos. É a partir desta forma de pensar que temos visto projetos inovadores como o da imagem, de autoria do escritório JDS.
No projeto em questão há uma tentativa por parte dos profissionais de criar o que chamam de jardins aéreos. Os jardins aéreos tem como função aumentar as áreas verdes do projeto, além de aproximá-las das unidades residenciais, de comércio e de escritórios espalhadas por todo o complexo. Assim, é possível que você esteja no 50° andar de um edifício e tenha conectado ao seu pavimento uma praça com áreas verdes, de estar, contemplação e pessoas a utilizando, igual a que até então só seria passível de ser encontrada no nível térreo.

Foto: JDS Architects.
5. Janela em Fita
A janela em fita é um dos cinco pontos da nova arquitetura definido por Le Corbusier e nasce como consequência da fachada livre – e da planta livre também. Originalmente, ela foi proposta com o intuito de criar um janelas e aberturas sem as limitações de largura que haviam até então, objetivando em termos técnicos permitir uma iluminação mais homogênea no interior do edifícios. Com a adoção de estruturas livres das vedações e fachadas, a janela em fita virou uma realidade e foi muito utilizada na arquitetura moderna.
Na arquitetura contemporânea, entretanto, as janelas em fita passaram a ser utilizadas de maneira mais justificada, levando em consideração outros fatores e possibilidades, como visuais, insolação, e uso dos espaços internos. Variações como rasgos oblíquos – típicos da obra de Libeskind – ou verdadeiros vazios nas fachadas também se originaram na tradicional janela em fita de Cobusier.
Um exemplo contemporâneo de arquitetura que utiliza as janelas da forma com que o arquiteto suiço havia previsto são os edifícios da universidade de arquitetura do Porto. Além de garantir maior insolação para os estúdios dos alunos, as janelas enquadram as belas paisagens do Rio Douro.

Foto: Fogermind Archmedia.
As janelas em fita possibilitaram aos arquitetos construir edifícios com uma aparência até então nunca imaginada: partes maciças e visualmente pesadas, como lajes e vigas de concreto, passaram a poder serem “apoiadas” sobre partes transparentes e visualmente leves, como planos de vidros horizontais que se estendiam por toda a largura da fachada.
A separação da estrutura em relação aos planos da fachada permitiu a criação de obras como a Fallingwater House, do famoso arquiteto americano Frank Lloyd Wright. Concluída em 1939 e construída junto a uma pequena cachoeira no estado norte-americano de da Pensilvânia, a casa da cascata explora muito bem o efeito mencionado anteriormente: uma série de volumes de concreto se encontram empilhados uns sobre os outros, apoiados visualmente por janelas em fita.
Na realidade, algumas colunas levemente afastadas das fachadas são as verdadeiras responsáveis por aguentar as cargas, mas o efeito visual não deixa de ser interessante – e certamente bastante icônico.

Foto: Klaus Nahr.
Para finalizar os exemplos de aplicação contemporânea da janela em fita, nada melhor do que citar um dos projetos mais bonitos, elegantes e icônicos – alguns poderão discordar – da obra de Oscar Niemeyer.
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói é um exemplo muito bom da utilização das janelas em fita: ela é empregada de tal forma que dá a impressão que um volume pesado está apoiado em um volume leve e delicado, se estende ao longo de toda a fachada circular do edifício, promove iluminação natural homogêna interna, permite aos visitantes vistas panorâmicas do belo litoral carioca e está inclinada de maneira a evitar que o sol adentre o interior do prédio durante os períodos mais quentes do dia – alguns dizem que essa inclinação nada mais é que uma reprodução da inclinação do morro do Pão de Açucar, localizado no outro lado da baía de Guanabara.
É sem sombra de dúvidas um lugar que todo estudante ou arquiteto brasileiro – e mundial, por que não? – deveria visitar e experienciar ao vivo.

Foto: Ebrkut.
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